CAPÍTULO 1
O Órfão
Um desejo ardente de que tudo aquilo não passasse de
um pesadelo. Mais uma vez seu braço havia sido queimado. A dor era
insuportável, agoniante, mas ele não podia ceder. Não quando a verdade por trás
daquela queimadura era, por assim dizer, obscura.
Já de frente para o portão (um portão de grade em
ferro maciço redondo com chapa de aço), ele olhou para o prédio. Um prédio de
um andar; bege e com uma placa de aço, que dizia Orfanato Esperança. Fechou os olhos por um segundo, respirou fundo
e entrou. Ele estava torcendo para que ninguém o abordasse, não queria de jeito
nenhum explicar onde ele havia se queimado, não quando ele corria o risco de ser
preso, mesmo tendo 14 anos.
Ele nunca quis aquilo, tudo o que ele queria era ter
uma vida normal, mesmo sendo órfão. Mas parecia que os problemas o perseguem.
Quando ele tinha sete anos, se viu, de algum jeito; mesmo estando a metros de
distância, culpado de explodir um carro; um Toyota Corolla 2005 prata. Quando
tinha oito anos, causou pânico na rua da escola. Nove anos, ele destruiu quatro
viaturas de policia que o perseguia. O único problema? Ele não se lembra de
nada disso, só se lembra de ser acusado. Talvez seja por isso que a Sra. Mercy
o odeia, o trate tão mal; ele tenta se convencer disso, mesmo sabendo que ela o
trata mal desde que ela passou a trabalhar ali, no orfanato, desde quando ele
tinha quatro anos. E lá estava ela, saindo da cozinha, ele já estava fechando a
porta da frente do orfanato. Já era por volta das oito da noite quando ele
chegou no orfanato. Sra. Mercy o fitava com aqueles olhos marrom-terra; Sra.
Mercy era uma mulher acima do peso, devia pesar em torno de 102 quilos, era bem
desengonçada. Seu rosto gordo, porém, quadrado, e seu nariz de bruxa faziam
John ter pesadelos a noite quando era mais novo. Ela usava uma camisa de
algodão e poliéster azul-céu, com uma estampa na frente que diziam Obedece ou morre!, era algo obviamente,
explicito, para os órfãos, obedecer ou sofrer as consequências. Com seu salto
alto vermelho de fitas entrelaçadas em seus pés, ela caminhou para perto dele.
- Sete horas! – Sra. Mercy disse o encarando com
aqueles olhos sedentos por sangue, sua voz estava alta, quase gritando; sua voz
era estridente e insuportável. – Este é o horário para estar de volta. Já
passam das oito. Parece que você gosta de limpar a cozinha toda sozinho! Você
tem uma hora para se arrumar e comer, deu onze horas, quero ver a cozinha limpa
e brilhando...!
Com o braço esquerdo virado de um jeito para que ela
não visse a queimadura, e de um jeito normal, sem chamar a atenção. Ele conteve
sua frustração, sua dor, olhou para ela e disse:
- Sim senhora...
- Sim
senhora... – ela repetiu em uma gozação irritante.
John respirou fundo e subiu a escada para o andar de
cima. O chão do prédio era feito de madeira envernizada; tinha uma cor marrom quase
vinho. Ao chegar no topo da escada, olhou pela janela, e lá estava, no outro
lado da rua, a mesma limusine preta que ele viu de manhã. Provavelmente era
alguém importante visitando a vizinhança. Mas ele não tinha tempo para isso,
ele tinha que se tratar, amenizar a dor escaldante, mesmo sabendo que na manhã
seguinte iria passar, sempre passa. Ele andou pelo corredor, que só tinha três
portas, seguindo em frete, no fim do corredor, havia a porta que dava para o
escritório da diretora. Do lado direito do corredor havia a porta do quarto dos
meninos, e do lado esquerdo a porta do quarto das meninas. Ele correu ate o
quarto dos meninos.
O quarto era enorme, grande o suficiente para
acomodar as doze camas, seis em cada lado do quarto. Uma janela enorme de
frente para a porta sem cortinas, a cama de John era a da ponta, logo ao lado
da janela. O teto era alto, sem gesso, nem madeira, só havia as telhas
vermelhas para proteger o quarto da chuva e do sol, coisa que não fazia muito bem,
em dias de chuvas, o chão era colorido pelos baldes e bacias. Havia alguns
órfãos deitados em suas camas, outros estudando, todos os onze meninos estavam
no quarto, agora eram doze contando com John.
John não era muito popular com os órfãos também, na
verdade, era impopular com todo mundo; mesmo as garotas. Mesmo elas perdendo o
folego ao ver ele, pois ele era bonito, muito bonito. Com seus olhos azuis
claros, que dão a impressão de estar vendo um mar, mas ao mesmo tempo uma
constelação na noite azul mais linda, e salpicados no centro com um verde claro
que intensificam os seus olhos, dando uma impressão final de se estar olhando
para olhos divinos, majestosos. Seus cabelos em um preto sedoso com leves e
quase despercebidos tons de mel, porém curto, em um estilo moicano, mas
natural, desarrumado. Ele não se importava com sua aparência, nunca quis se
arrumar, mas mesmo assim, sem pentear o cabelo, usando as roupas usadas que
doavam para o orfanato, ele chamava a atenção das meninas (e de alguns
meninos). Ate mesmo os mais velhos, os adultos o olhavam, ate mesmo desejando
que seus filhos fossem bonitos como ele, tivessem uma presença chamativa e
magnifica como ele. Mas mesmo assim ele ainda era impopular, os meninos o
odiavam por causa de sua aparência; as meninas o odiavam porque ele não se
interessava nelas. John nunca sentiu vontade de beijar ninguém, nem sair com
ninguém, e nunca teve pensamentos impróprios com ninguém. Pois no fundo ele
sabia, mesmo que se recusasse a aceitar, ele sabia que não pertencia aquele
lugar, ele era diferente, e sabia que ninguém ate o momento era a pessoa certa.
Ao entrar no quarto, muitos o olharam. Um jovem de mesma idade, 14 anos, se
levantou da cama ao lado da dele ao ver ele entrar e correu ao seu encontro.
Era um jovem de olhos pretos como a noite, cabelos
loiros, bonito, tão bonito quanto John, talvez não tanto, talvez mais, era
difícil dizer. Era da mesma altura, um pouco mais de 1,63. Dentes perfeitos,
assim como John, pele clara, uma enorme semelhança com John. Ate poderiam dizer
que ambos são irmãos de sangue.
- Aí John, onde você esteve? – perguntou ele em um
tom preocupado.
Os dois eram melhores amigos, eram como irmãos;
talvez pelo fato dos dois serem impopulares e terem o mesmo dom para atrair
problemas.
John hesitou, mesmo Kyle sendo seu melhor amigo, ele
jamais disse o seu segredo para ele. Não queria que o amigo o olhasse com
desprezo, nojo, que ele deixasse de ser seu amigo. Não, ele não podia arriscar,
Kyle não saberia de seu segredo, pois sabia que ele também poderia acabar na
mesma enrascada. Então ele fez a mesma coisa que vem fazendo desde quando Kyle
foi para o orfanato quando tinham nove anos, desde cinco anos atrás, ele
mentiu.
- Dando uma volta por aí...
Kyle o olhou desconfiado, e John sabia que Kyle
suspeitava que ele estava mentindo, afinal, John nunca foi bom em mentir, seu
rosto o entregavam na hora. Por isso ele se esforçava ao máximo para encobertar
esta única mentira para seu brother.
- Desculpe, mas eu preciso ir ao banheiro... – disse
John rapidamente antes que Kyle começasse o interrogatório, e é claro, ele já
não estava mais aguentando disfarçar a dor.
Ele entrou no banheiro do quarto e trancou a porta.
Era um banheiro simples, apenas para higiene pessoal. No andar de baixo há os
vestiários para o banho. Olhou para a queimadura, estava horrível, estava em
carne viva. A tratou o mais rápido que pode com os primeiros socorros, e depois
foi tomar banho.
∞
Depois de ter tomado banho, John desceu. Esquentou
um prato de comida que Kyle havia guardado para ele, o que John agradeceu
profundamente. John, para o lado de comida, é outra pessoa. A timidez some, a
insegurança, tudo de negativo some. Pois seu apetite é nada mais e nada menos
do que... monstruoso. Kyle o acompanhou ate a cozinha. O silêncio foi terrível,
pois John sabia que Kyle ainda queria saber aonde ele esteve o dia todo, todos os
sábados e domingos, durante cinco anos. E ele odiava mentir para o seu melhor
amigo, doía no fundo de sua alma mentir descaradamente para a única pessoa que ele
se importa e se importa com ele. E ele ter vestido uma jaqueta de moletom cinza
de manga comprida não ajudou nada em sua mentira, pois estava fazendo quase 40
graus naquela noite, mas ele tinha que esconder seu braço esquerdo enfaixado
com ataduras. Enquanto John lavava a louça, Kyle pegou um prato de porcelana,
abriu a geladeira e pegou uma fatia de pudim de leite condensado, se sentou a
mesa e com lentas colheradas de pudim a boca, ele encarava John com um olhar
frio, cheio de suspeitas.
Sentindo aquele olhar de Eu sei que você esta mentindo. Eu quero saber a verdade, sob a suas
costas, se sentiu pressionado, ele queria contar, tinha que contar pra alguém o
que aconteceu nos últimos cinco anos, principalmente o que aconteceu algumas
horas antes de retornar para o orfanato. Mas se ele contasse para alguém, ate
os mínimos detalhes, ele podia não ir preso, mas certamente iria para o
hospício. Iriam dizer que ele estava louco, que apenas imaginou o que aconteceu,
ele queria que isso fosse ate verdade, queria ser louco, ter imaginado, mas
não. Aquilo foi real, tão real que seu braço estava ali para provar, a marca da
queimadura, queimado ate a carne viva, mas se ele esperasse para contar ate o
dia seguinte, ninguém iria acreditar, pois não iria ter prova alguma do que
aconteceu, pois seu braço estaria curado.
∞
Quando se deitou em sua cama, ficou pensando se
tinha feito o certo, se ter contado toda a verdade para Kyle foi o correto a
fazer. Se sim, e agora? Tudo o que ele sabe é que, Kyle apenas foi se deitar em
silêncio, não disse nenhuma palavra, apenas deixou o prato para John lavar e
subiu para o quarto. Mas ele não podia culpar seu melhor amigo, afinal, ele vem
mentindo por cinco anos, e quem em sã consciência iria acreditar no que aconteceu?
Ele ficou nesses pensamentos ate adormecer. John sonhou, sonhou com aquela
manhã de sábado, reprisou em seu sonho tudo o que havia acontecido naquele dia,
detalhe por detalhe, ele sonhou que abriu os olhos:
Com o fim do verão e o inicio das aulas, o sol já
batia forte sobre São Paulo às 8 horas da manhã, uma breve onda de calor vinda
do Egito estava deixando as pessoas bem mais temperamentais, e tudo indicava
que a tendência era de que iria aumentar ate a noite.
Ao abrir os olhos, ele viu o teto de telhas
vermelhas do orfanato, sonolento e sem animo algum, ele teve que se forçar a
sair da cama, a Sra. Mercy iria entrar no dormitório a qualquer momento, e ter
que lidar com a frustração dela logo pela manhã não era algo que John desejaria
nem para o seu pior inimigo. Depois de fazer sua higiene pessoal, ele voltou
para o quarto e começou a arrumar sua cama. Os outros órfãos estavam em pé
diante das camas, alguns já haviam terminado de arrumar sua própria cama,
outros estavam mais atrasados que John, para John só faltava dobrar o cobertor.
Kyle já havia terminado.
- Ande logo com isso! – disse a Sra. Mercy ao entrar
no dormitório.
A Sra. Mercy segurava um chicote na mão esquerda e
com leves batidas na mão direita demostrava ser do tipo que odiava crianças.
- Seu inútil...! – ela disse olhando fixamente para John
que estava de costas para ela. – Você não presta pra nada mesmo!
Ao perceber que todos estavam olhando pra ele, John
virou-se lentamente deixando o cobertor velho que segurava em cima da cama,
apesar de já estar acostumado a ser tratado mal pela Sra. Mercy, não podia
deixar de sentir frustração.
- Nem pra arrumar uma cama o mais rápido possível
você presta...! – disse ela.
- Ela devia ser olhar no espelho... – sussurrou Kyle
ao lado de John.
John se segurou para não soltar um riso. A Sra.
Mercy não ouviu, ela apenas continuou com a ditadura. Ela disse como alguém que
comeu e não gostou:
- John Ryder... mas que diabos de nome é esse, John Ryder?
- Me desculpe... – disse John entre os dentes; a
frustração já estava grande. – Eu já estou terminando...
- Me desculpe.
Eu já estou terminando... – repetiu zombando dele.
- Ela já ouviu o nome dela? – sussurrou Kyle mais
uma vez zombando da Sra. Mercy.
- Termine de arrumar essa cama agora! E vocês outros...
– ela virou-se para o restante das crianças. – O café da manhã já esta pronto,
vão logo...!
A esta altura, John era o único ainda que faltava
terminar de arrumar a cama, todos os outros saíram, dando curtos passos em
direção à porta, quando restou somente John e ela, ela parou na porta pronta
para sair.
- E você... vai ficar sem café da manhã. – ela disse
sem se virar para John e continuou, virou no corredor e sumiu de vista, dava-se
pra ouvir o barulho do salto alto dela pelo corredor indo em direção a escada.
John sentou-se na cama revoltado com o que havia
acabado de acontecer. Ele pegou algo no bolso de sua bermuda, era um medalhão
antigo de ouro, com dois dragões serpentes chinês encravados nele, e nele
estava escrito Guarde em seu coração.
Ele o abriu e olhava tristemente para um retrato antigo de seus pais, sua mãe
segurava uma criança recém nascida, seu pai abraçava sua mãe. O medalhão que
foi encontrado com ele em volta do pescoço, mesmo com a foto dos pais, ninguém
foi capaz de acha-los. John não sabia o que tinha acontecido, só sabia que no
ano de 2001, abandonado em uma cesta, foi encontrado por um pedestre no rio
Pinheiros. A notícia se espalhou pelo país todo, ninguém podia acreditar na
tamanha crueldade em abandonar uma criança de 1 ano naquele estado, coberta por
sangue e com uma tatuagem nas costas, um símbolo em forma de S com dois círculos na ponta, o S de tão inclinado que estava, chegava a
lembrar um raio, a tatuagem era toda preenchida de preto e cobria o meio de
suas costas toda, para todos, aquilo era uma crueldade sem perdão, fazer uma
tatuagem em uma criança de 1 ano. Como não foi possível encontrar sua família, ele
foi levado para um orfanato, onde cresceu sem nunca ter sido adotado. Por
alguma razão, quando ele estava prestes a ser adotado, a família mudava de
ideia no ultimo minuto, e ele nunca soube o porque.
Ela e ele estavam com um sorriso em seus rostos no
momento da foto. Isso fazia John se perguntar se seus pais estavam vivo ou
mortos, o que havia acontecido, por quê eles o abandonou? Sem conseguir pensar
em nenhuma resposta lógica para o que aconteceu, John fechou o medalhão e o
guardou no bolso. Ele se levantou e terminou de arrumar a cama, pegou sua
mochila que estava debaixo da cama, colocou nas costas e foi direto para o
corredor, o escritório da diretora ficava no fim do corredor e do outro lado
ficava a escada para o andar de baixo, de frente do quarto dos meninos ficava o
das meninas, a porta estava fechada. Foi para a escada e desceu, já que ele não
podia tomar café, não havia motivo para passar a manhã no orfanato, e já que
ele não podia contar para Kyle o que ele iria fazer naquela manhã e tarde, ele
saiu sem ser visto.
Ao sair pela porta da frente, notou um carro bem
chique no outro lado da rua, todo preto, uma limusine, sem dar importância, ele
saiu e andou pela calçada, andou ate a estação, comprou um bilhete e entrou no
metrô com muita dificuldade, como sempre, estava lotado. Se esquivando,
passando pelas pessoas, foi de vagão a vagão ate achar um banco vazio, sem
cerimonias, ele sentou.
- Que lindo... – uma mulher comentou para a amiga ao
olhar John. – Como eu queria que meu namorado fosse lindo assim...
- Quem não queria...? – disse a outra amiga
sorrindo.
John fechou os olhos e cochilou, com o passar do
tempo, o metrô foi ficando vazio e ele sonhou:
Uma
mansão coberta por neve, rodeada por uma floresta de árvores altas. A neve em
volta da mansão começou a se tingir de vermelho, um a um, pessoas de capuz
branco foram caindo sobre a neve. Um rosto próximo de seus olhos, uma mulher
linda de cabelos pretos, pele clara e olhos verdes, lagrimas caiam de seus
olhos. A porta se despedaçou para dentro da casa, a visão saiu da mulher e foi
para a porta. Tudo ficou escuro.
- ORCUS
MORTUS – alguém
gritou, uma voz medonha, cheia de ódio.
John abriu os olhos assustado, esse mesmo sonho já
vem o atormentando a anos, nunca muda, é sempre o mesmo e ele nunca disse para
ninguém, nem mesmo Kyle. John olhou em volta, olhou para o informe e viu que a
próxima estação era a que ele iria descer, ele passou os dedos nos olhos e
bocejou.
- Sempre a mesma coisa... – comentou a si mesmo.
John desceu do metrô e dirigiu-se para fora, ele
estava no outro lado da cidade. Andou por alguns minutos ate entrar em uma
favela. Virando algumas ruas como se fosse um labirinto, John acabou ficando de
frente de um barracão abandonado, se dirigiu aos fundo e bateu levemente na
porta três vezes. Alguém abriu, um homem enorme, negro, em sua cintura havia
uma arma.
- Esta atrasado!
- Desculpe. – disse John.
Carlos saiu do caminho e deixou John entrar, se
dirigiu-se ate onde havia crianças, algumas da mesma idade dele, outras mais
velhas e outras mais novas. Eles estavam em duas fileiras amontoadas de frente
para a outra, criando um corredor largo entre as duas fileiras. Esse corredor
levava ate um homem, que como se fosse um rei, estava sentado em uma cadeira
com duas pessoas ao seu lado, uma mulher do lado direito e um homem do lado
esquerdo, ambos armados. Também havia mais alguns adultos armados atrás das
fileiras, todos esses adultos eram criminosos e o líder deles era aquela que se
encontrava sentado na cadeira, Sergei. Sergei era um ser desprezível que usava um
casaco de pele de lobo, pela aparência e o sotaque, era alemão.
- John, vejo que decidiu se juntar a nós, quanta
consideração de sua parte... – disse um Sergei sarcástico.
John não reagiu, aprendeu da pior maneira de que se
opor a Sergei era querer morrer. Depois do que houve 6 anos atrás, John se viu
obrigado a trabalhar para Sergei todos os sábados e domingos. Havia em torno de
30 jovens na mesma situação de John, alguns por morarem na rua, eram obrigados
a trabalhar durante a semana inteira.
Depois de receberem sacolas cheias, cada um dos
jovens colocaram em suas mochilas e se retiraram.
∞
Já era hora do almoço e John não havia se alimentado
ainda. Ao passar em uma praça, John vendeu a mais de 30 pessoas distintas o
conteúdo que lhe foi entregue, um saquinho lacrado com três comprimidos. John e
os jovens foram obrigados a venderem drogas, suas vidas estavam seguindo um caminho
rumo a destruição, Sergei só se importava com o dinheiro, se o dinheiro não
correspondesse, as crianças apanhavam, algumas nem eram vistas mais.
Depois de duas horas vendendo na praça, John foi
para a 25 de março. Andando pela multidão procurando algum lugar para se
alimentar, John avistou uma das crianças comprando um cachorro quente. Sara,
uma menina órfã e moradora de rua de apenas 9 anos de idade. John procurou não
pensar naquilo, passou desapercebido por ela, preocupado em não ser visto,
acabou se esbarrando em alguém, ele perdeu o equilíbrio e caiu no chão. Ao simples
toque, John se viu em êxtase, um formigamento eletrizante em seu corpo; por
cada vaso sanguíneo, veias, tudo. Uma sensação de força, liberdade e... poder.
Mas isso não durou mais do que um segundo, seus olhos, nesse meio tempo,
mudaram de um glorioso azul para um majestoso dourado, mas apenas por um
segundo, e logo ele se sentiu normal novamente. Essa mesma sensação lhe é
familiar, certamente ele já sentiu isso antes, mas não lembra onde, quando e
como.
- Desculpe... – disse John ainda no chão.
- Não se preocupe... – disse a mulher estendendo a
mão.
Era uma mulher muito bonita, seus cabelos eram um
loiro longo e leve ao vento, seus olhos eram castanho claro, devia ter em torno
de 30 anos. John segurou a mão dela e se levantou com a ajuda.
- Me desculpe... – disse John novamente.
- Não se preocupe, a culpa foi minha. Vamos, deixe
eu te pagar algo pra comer, é o mínimo que eu posso fazer...
John sem fazer cerimonia aceitou, afinal, boca livre
era com ele mesmo.
- Tudo bem, já que você insiste... – disse John.
Ela soltou um pequeno sorriso da cara de pau de John.
Eles foram ate uma lanchonete próxima e se sentaram no fundo.
- Pode pedir o que quiser, é tudo por minha conta...
- Tem certeza...? – John perguntou.
- Claro...
- Tudo bem... eu vou querer... – disse John lendo o
menu e a garçonete aguardava com um bloco de papel e uma caneta na mão. – Três
x-burguês, dois cachorros quentes duplo com porção extra de bacon e calabresa,
três porções de batata frita, um milk-shake extra grande de brigadeiro,
capricha no granulado e um... copo grande de suco de laranja com limão e gelo,
ouvi dizer que refrigerante engorda...
A mulher e a garçonete estavam surpresas, ver alguém
com o apetite de John é uma coisa rara, ainda mais continuar com o mesmo peso.
- Então, qual o seu nome? – perguntou a mulher
enquanto esperavam o pedido sair.
- Er... – John hesitou em responder.
- Desculpe, onde esta a minha educação? Antes de se
perguntar o nome de alguém, deve-se apresentar primeiro. Meu nome é Samira Gorvendell,
prazer...
- Ryder, John Ryder...
- Nome incomum...
- É... não sei o que meus pais estavam pensando
quando me nomearam...
- Acredito que eles tinham um bom motivo para lhe
dar esse nome...
- Seja qual for o motivo, ainda continua sendo um
nome horrível...
- Mas então? Me conte um pouco sobre você... – disse
Samira demonstrando um certo afeto por John.
- Er... você por acaso é daqueles tipos de adultos
perturbados, os pedófilos, não é? – John estava desconfiado e com razão.
- Deus me livre...! – disse Samira se defendendo. –
Eu tenho nojo deste tipo de gente...
- Ainda bem... – disse John com um suspiro de
alivio. – Por um momento achei que iria acabar sendo encontrado morto na beira
do rio...
- Uau... você não tem trava na língua...
- As vezes eu esqueço de pensar antes de falar... –
disse John e em seguida ficou depressivo.
- O que foi? – perguntou Samira.
- Eu fico pensando, será que eu puxei essa qualidade de meus pais...?
- Como assim...? Por quê você não pergunta a eles?
- Eu sou órfão...
- Ops... Desculpe...
- Esta tudo bem...
Um clima tenso pairou sobre eles, mas foi dissolvido
quando a garçonete trouxe os pedidos. Em menos de trinta minutos John já tinha
comido tudo.
∞
- Estou cheio... – disse John soltando um sopro de
alivio.
Samira só havia comido um pão de queijo e tomado uma
xícara de café enquanto John se alimentava feliz da vida e mostrando uma ótima
vitalidade. Nos boletins urgentes que passavam na televisão de plasma
dependurada na parede da lanchonete, só se notificava os misteriosos
assassinatos que vem ocorrendo em todo o Brasil e no mundo, todos cometidos em
algum tipo de ritual negro, bruxaria, e todos pareciam estar relacionados a um
único nome: O Ladrão de Vidas. Ao ver
a mulher informar a hora, que era por volta das quatro da tarde, John deu um
pulo na cadeira assustado.
- Desculpe, mas eu tenho que ir...! – disse John
agarrando sua mochila e correndo em direção a saída.
- Espere...! – tentou Samira.
- Ele vai ficar uma fera...! – disse John se virando
para trás enquanto corria.
Segundos depois, John já havia saído da lanchonete e
sumido da vista de Samira. Já sabendo que uma punição lhe aguardava por não ter
voltado ate as quatro em ponto, só podia tentar chegar a tempo, mas sabia que a
fúria de Sergei lhe aguardava. Desviando da multidão que caminhava na 25 de
março, corria sem cessar.
∞
Quando deu seis horas da tarde, John já estava
diante da porta dos fundos da antiga fábrica metalúrgica, estava duas horas
atrasado. Parado, pensando se entrava ou não, a aflição de saber o que lhe
aguardava era pesada, insuportável, o medo era algo real no momento, algo que
ele tentava controlar, domar, apaziguar seu espirito. Parado como uma estatua,
sua mão a poucos centímetros da porta, John não queria, ele esperava que algo
acontecesse, se possível ate mesmo a policia aparecesse e o levasse preso, tudo
para não enfrentar Sergei, o fogo escaldante que todas as crianças sentiam
emanar da fúria do criminoso. A hesitação de John era tão grande que fez
parecer que Carlos sentiu sua presença e abriu a porta.
- Já era hora... – disse Carlos com um sorriso
perigoso estampado no rosto. – Ele esta impaciente...
Carlos abriu caminho para John entrar. Todos os
jovens já estavam em suas posições, John entrou e ficou de frente para Sergei.
Viu a menina, Sara, segurando o braço esquerdo e gemendo de dor, segurava o
choro por medo que estava sentindo. Certamente ela foi descoberta, usou o
dinheiro das vendas para comprar um simples cachorro quente e Sergei descobriu,
mesmo que não passasse de uns cinco reais, ele não iria deixar aquilo passar impune.
- John, atrasado... de novo...! – disse um Sergei
sério.
- Desculpe... – disse John entre os dentes.
- Não, eu não aceito suas desculpas... – disse
Sergei se levantando. – Um horário, temos um horário. Um horário que deve ser
cumprido...
John começou a estremecer, uma respiração profunda,
ofegante, sua visão focada apenas em Sergei o impediu de ver os dois criminosos
o segurarem pelos braços.
- Não! Me soltem...!
Sergei, com passos pequenos em direção a John, abriu
a palma da mão direita.
- Eu não queria. É sério... mas você não me deixa
opções, eu tenho que mostrar quem é que manda aqui... – disse Sergei se
inclinando para John, por um breve momento, Sergei olhou para a menina.
As crianças estavam todas assustadas, algumas ate
deixavam lágrimas escorrerem de seus olhos. O criminoso que segurava o braço
esquerdo de John, segurou a mão e a baixo do ombro de John, deixando um espaço
no braço. John se debatia ferozmente, o medo estava fora de controle, ele tinha
que lutar para se salvar.
- Por favor, não! Eu prometo que não vou mais me
atrasar...
Ele não queria, já havia passado por aquilo, mesmo
que no dia seguinte aquilo desaparecesse como mágica, ele não queria passar o
resto do dia e a noite inteira sofrendo, sentindo a dor escaldante.
- Tarde demais pra isso... – disse Sergei segurando
o braço de John com força.
- AAAHHH...! – John gritou aterrorizado com a dor. –
P-POR F-FAVOR... PARE!
A sensação era uma das piores que ele já sentiu, era
como ter metal que acabara de sair do fogo encostado na pele, era como se
estivesse sendo marcado como um animal, um boi, cavalo. Uma fumaça saiu do
contado entre a mão de Sergei e o braço de John. Como aquilo era possível? John
se perguntava sempre. Como alguém era capaz de fazer aquilo? Com um simples
toque queimar os outros? A dor era horrível, insuportável, por isso ele sempre
tentava obedecer a risca as ordens de Sergei. Ele já estava ate comemorando, já
havia passado quase um ano sem sofrer aquele castigo.
O grito de John foi abafado por outro grito, um
grito alto; apesar de estar vindo do lado de fora da antiga fábrica. Todas as
janelas da fábrica se destruíram para o lado de dentro, o som parecia uma
combinação de inúmeros ventos, parecia ser um som fora deste mundo, era mais
sombrio, dava impressão de ser feito por uma entidade paranormal. O grito era
tão insuportável que fez Sergei e os criminosos soltarem John, o braço de John
estava queimado com a forma da mão de Sergei. John não sabia o que fazer, se
tampar os ouvidos ou tentar parar a dor de queimadura, os dois eram
insuportáveis, todos se viram cair de joelhos ao chão com as mãos nos ouvidos.
Poeira do telhado caiu sobre eles, o grande portão da frente começou a se
contorcer, um fraco barulho estridente de metal rangendo chamou a atenção de
todos para o portão. O barulho era maior que a dor, sem opções, John se rendeu
e tampou os ouvidos, a cabeça de todos pareciam que iriam explodir.
O portão de aço foi solto da parede e jogado em
direção a eles apenas com a força do barulho, em seguida o barulho cessou e o
portão que iria atingir todos foi parado em pleno ar junto com todos os
detritos. A fumaça que se formou na entrada começou a se dissipar e uma figura
se formou, pela postura corpórea, era uma mulher, passos de saltos se ouvia na fábrica
toda, a mulher andou em direção a eles, ao surgir da fumaça, John não acreditou
no que viu, mas a surpresa foi passageira, pois a dor em seu braço era
insuportável, John não parava de gemer de dor.
- V-Você...!? – disse John tentando resistir a dor.
- Olá, John... – disse Samira Gorvendell.
Tudo estava muito confuso, Sergei queimando as
pessoas apenas com um toque, a estranha que pagou o almoço de John aparecendo
do nada, aquele barulho infernal que foi capaz de derrubar o portão de aço, o
próprio portão flutuando diante deles. John se sentia por fora do que estava
acontecendo, nada daquilo fazia sentido pra ele. Sergei olhou para John, um
olhar perigoso.
- Então, John, você a conhece...? – perguntou Sergei
se levantando.
John olhou para Samira que o olhava com um ar doce,
carinhoso. Sem querer responder mas se sentido obrigado, a boca de John se
abriu para contar uma mentira.
- Sim... – respondeu John.
Ate mesmo ele ficou surpreso, sua resposta iria ser
“não”, mas sua boca não lhe obedeceu.
- Você se importa em apresentar a sua “amiga”...? –
perguntou Sergei o intimidando.
- Qual é? – disse Samira com um leve movimento de
mão, em seu pulso direito havia um bracelete de prata de uns 5 cm de largura
com uns símbolos místicos encravados, o portão e os detritos foram lançados em
direção a ela, mas nenhum acertou ela, eles se chocaram contra a saída. – Deixe
que eu mesma me apresente...
Samira sumiu da vista de todos, ela apareceu diante
de Sergei, uma forte rajada de ar surgiu no momento da aparição dela, isso se
deu ao fato dela se movimentar na velocidade do som.
- Prazer, Samira Gorvendell, e você...? – ela
colocou a palma da mão no peito de Sergei. – Quer saber, esquece, não tenho o
menor interesse em saber os nomes de lixos desprezíveis, passar bem...
Sergei foi lançado ao alto por um impacto sônico. As
crianças se levantaram e começaram a correr para fora, John não deu outra, fez
o mesmo e fugiu ao ver os criminosos se levantando, todos armados prontos para
atirarem. Já há alguns metros de distância da fábrica, disparos de armas foram
ouvidos.
- Essas aberrações que se matem, pra mim chega,
estou fora...! – disse John olhando para a fábrica.
Com a mochila ainda nas costas, John foi para a
estação e pegou o metrô. Quem o via, pensava que ele estava drogado, todo
agitado, suando frio, parecia estar tendo alucinações.
Aquilo
não foi real. Pensou John. Não pode ser real...
Pobre
criança... John quase deu um pulo do banco; uma voz sombria,
calma e manipulativa soou em sua cabeça, definitivamente era um homem. Não precisa ter medo. Junte-se a mim que eu
lhe prometo grandiosidade...
Olhando as pessoas em volta, que o encarava como se
ele fosse um lunático, John achou melhor pensar.
Quem
é você?
Eu
sou o último e o primeiro. Respondeu a voz. Eu sou aquele que tem as respostas que você
procura. Jure lealdade a mim, se torne meu servo e eu lhe prometo, tudo o que
você desejar, você terá, ate mesmo sua vingança, pequeno príncipe...
Do que você esta falando? Perguntou John, mas
a voz já havia ido embora. Ele tentou pensar naquilo. Quem era? Lealdade? Respostas? Vingança? Príncipe? Seja quem for
aquela voz, coisa boa não podia ser, afinal, ela queria que ele se tornasse,
por assim dizer, escravo. Mas a
curiosidade era enorme, ele queria saber as respostas que ele tanto procurava. Quem eram seus pais? Por quê eles o
abandonou? E qual é a da tatuagem em suas costas? Mas como se uma segunda
voz em sua cabeça sussurrasse em seu ouvido. Não se deixe influenciar. Não caia em tentação, pois o custo será alto.
Não mencione isso a ninguém. Ele pensou: A quem eu iria mencionar? Eu nem tenho amigos. Mas mesmo assim, ele
sabia que essa suposta segunda voz, de certa forma, tinha razão, e além do
mais, ele já era escravo de um psicopata queimador de pessoas com um toque, não
precisava conhecer mais nenhum futuro psicopata, sua vida já era infeliz o
bastante. Esquecer. Isso, ele iria esquecer essa conversa com a voz suspeita.
Liberdade, era disso que ele estava atrás no momento, e foi tudo o que ele
pensou. Correu desesperadamente ate chegar no orfanato.
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